Semana passada, eu tive um almoço muito interessante com um
empreendedor que está criando uma empresa voltada para o desenvolvimento
de aplicativos móveis. A conversa, então, girou sobre o potencial desse
mercado e as oportunidades de negócio que ele teria pela frente.
Os smartphones e os tablets já fazem parte do nosso dia-a-dia e
estão, rapidamente, se integrando a todas as atividades humanas. Esses
aparelhos estão cada vez mais sofisticados e embutem diversos
dispositivos que permitem conexão de banda larga, sensores e
funcionalidade de geolocalização, entre outras funções, que nos abrem
inúmeras oportunidades de exploração.
Por exemplo, durante a conversa, identificamos o potencial de seu uso
na área de saúde. Já existem aplicativos que medem a frequência
cardíaca, testam acuidade visual e daltonismo, ajudam no controle da
gestação e do controle glicêmico. Um aparelho de pressão acoplado a um
smartphone implementa um canal direto de comunicação e informação com o
médico. Podemos pensar também em um glicosímetro acoplado a um
smartphone, permitindo que o próprio paciente controle a dieta e as
doses de insulina e essas informações seriam repassadas ao médico. Com
esses aparelhos acoplados a smartphones e a tablets, implementamos a
automonitoração e a comunicação direta entre médico e paciente, criando
um mecanismo de telemedicina, de forma barata e simples.
Além dessas aplicações específicas, está se abrindo um espaço imenso
para o uso de tablets e smartphones em qualquer setor de negócios. Hoje
já somos tão dependentes dos nossos smartphones e tablets que nenhuma
empresa pode impedir ou restringir seu uso corporativo. Um smartphone de
hoje tem tanto poder computacional quanto um supercomputador dos anos
80, como o então famoso Cray (na época). Portanto, nenhuma empresa pode
ignorar a potencialidade que cada usuário tem em suas mãos ou em seu
bolso. Pelo contrário, deve incentivá-lo mais ainda, mesmo que isso
demande novos desafios para a área de TI.
Uma maneira de vermos as mudanças que já estão em curso é olharmos
para trás e compararmos o atual momento com o surgimento dos PCs. Na
chamada era PC, a web usada de forma pessoal, para buscas e acesso a
sites, com foco em entretenimento e utilizada em casa. Nas empresas, o
acesso às informações e sistemas ficava restrito aos PCs oficiais
instalados dentro de seus escritórios. Os funcionários só tinham acesso
aos sistemas desenvolvidos e mantidos pela área de TI. Com a
disseminação da Web 2.0 e as mídias sociais, os funcionários passaram a
acessar a web também de seus PCs e laptops oficiais. Agora, a web já
fazia parte das atividades profissionais. No atual mundo dos tablets e
smartphones, vemos que os funcionários estão conectados a qualquer hora e
lugar, acessando não apenas sistemas internos, mas também a web e de
forma inovadora vemos aplicações integrando esses sistemas internos com
apps externas disponíveis em apps markets. Um exemplo é acoplar o
FourSquare e outras mídias sociais a aplicativos corporativos
disponíveis ao pessoal de vendas, para eles encontrarem e reforçarem
seus laços de relacionamento com seus potenciais clientes.
Outra mudança significativa é que antes a TI era única que
homologava, comprava e emprestava os PCs e os laptops aos funcionários.
Nos tempos do BlackBerry também… Mas hoje os próprios funcionários
trazem de casa seus tablets e smartphones e querem usá-lo na empresa.
Saímos de um ambiente homogêneo e controlado para um ambiente
heterogêneo, com cada usuário dispondo não só de smartphones diferentes,
nem acessando apenas os aplicativos da empresa, mas os aplicativos que
ele, usuário, seleciona nos mercados de apps.
Querem ter uma idéia das diferenças de uso entre laptops e smartphones? Vejam a tabela abaixo:
Laptps | Smartphones |
---|---|
Pouca personalização; praticamente todos têm as mesmas aplicações e homologadas pelas empresas. | Alta personalização; a lista de apps de um smartphone não é a mesma de outro. |
Transportável; meio incômodo de usar em pé, na fila do banco por exemplo. | Móvel; podemos usar até dirigindo, embora não seja recomendado! Sempre acessível. |
Poucos sensores; basicamente câmeras de vídeo e microfones. | Inúmeros dispositivos e sensores, como GPS, barômetros, câmeras fotográficas etc. |
O desafio para a área de TI é que esses aparelhos estão entrando nas
empresas por todos os lados. Impedir seu uso é impossível, mas é
necessário criar procedimentos que garantam a segurança e a privacidade
dos dados considerados críticos para o negócio. Sim, é um belo desafio.
Os modelos tradicionais de controle e homologação não são mais adequados
ao mundo dos smartphones. Não é simples separar o lado profissional do
pessoal. O FourSquare que citei no exemplo acima, por exemplo, é de uso
pessoal? Mas se acoplado ao sistema de CRM da empresa não passa a ser
corporativo? A área de TI tem que começar colocar em prática novos
métodos de gestão, adotando tecnologias especificas de MDM (Mobile
Device Management), que permitam obter um nível de gerenciamento
adequado aos seus requerimentos de governança – muitos deles forçados
pelo compliance a regulações a que estão sujeitas. Recomendo a leitura
de um artigo muito interessante,
publicado em 2010, pela InfoWorld, que mostra uma tabela comparativa
dos recursos de segurança dos sistemas operacionais dos smartphones. Não
está 100% atualizado, mas serve de referência para um estudo mais
aprofundado.
Outra alternativa a ser considerada é o uso de virtualização nos
próprios smartphones, criando ambientes separados (pessoal e
profissional) no mesmo dispositivo. Existem algumas alternativas
despontando no mercado, como a MVP (Mobile Virtualization Platform), da
VMWare e o conceito de hypervisor, adotado pela Open Kernel Labs.
O mundo dos smartphones e tablets abre oportunidades de interação que
não existiam nos laptops e nos PCs. Nestes, a interação era basicamente
o consumo e a criação de conteúdo, que requer apenas uma interface
simples, como tela, mouse e teclado. Com recursos como GPS, câmeras
fotográficas/vídeo e novas interfaces, como voz, gestos e outros, o
engajamento e a interação dos usuários com os aplicativos tornam-se
muito mais abrangente. Um exemplo simples: você interage de forma
totalmente diferente com um game através do Kinect ou Wii, do que quando
usa apenas os teclados e o mouse. Neles você imerge no próprio jogo.
Com as novas interfaces dos smartphones será a mesma coisa: o nível de
engajamento será diferente do simples ouvir, falar e teclar.
Temos aí outro desafio para a área de TI. Os seus aplicativos deverão
ter sua camada de interface redesenhadas para explorar as
características dos smartphones e tablets. Hoje eles foram desenhados
para explorar o paradigma da interface via teclado e mouse.
Provavelmente veremos HTML5 começando a dar sinais de vida nos
aplicativos corporativos! Veremos, também, a área de TI escrevendo novos
aplicativos, voltados para explorar as funcionalidades intrínsecas dos
smartphones, como localização geográfica, acelerômetros, compassos,
sensores de proximidade, câmeras fotográficas etc. Esses aplicativos
deverão explorar o fato de os usuários estarem com seus smartphones em
locais e situações que não estariam com seus PCs e laptops e ao mesmo
tempo eles querem que sua experiência de uso seja similar a que já estão
acostumados a ter nesses dispositivos.
Os CIOs não podem esperar o mundo dos smartphones chegar. Ele já
chegou! No mundo do PCs, eles tinham o controle da situação. Hoje, os
usuários podem acessar dados e apps de nuvens sem passar pela área de
TI. Podem baixar aplicativos e os usarem em lugar de aplicativos
oficiais. E manter os dados em nuvens como o DropBox. O que os CIOs
devem fazer? Não lutar contra.
Mas engajar-se ativamente e fazer com que a área de TI seja a
influenciadora deste mundo wireless. O usuário tem em suas mãos um
supercomputador dos anos 80 e impedir seu uso seria um contrasenso. Mas
apoiar e influenciar melhores práticas para seu uso é uma estratégia
vencedora.
A conversa gerou algumas conclusões interessantes, que compartilho aqui:
- A TI não poderá desenvolver tudo sozinha. Deixe os usuários desenvolverem e escolherem seus aplicativos, mas exerça influencia sobre o processo. Crie iniciativas de “P&D” interno, apoiando os usuários a criarem suas próprias soluções e interfaceando essas soluções via APIs seguras (estas desenvolvidas por TI) aos sistemas corporativos;
- Adote práticas, métodos e tecnologias que permitam implementar a política de BYOD (Bring Your Own Device) na empresa. Um sugestão é começar ao poucos, liberando a política primeiro a alguns setores e depois aos demais. É um aprendizado que só vai se dar na prática. Não existe nenhum manual que oriente como fazer isso com sucesso;
- Não seja pessimista e nem otimista ao extremo. Provavelmente durante muito tempo existirão PCs, laptops, smartphones e tablets. Alguns funcionários deixarão de usar laptops e PCs, mas outros continuarão a usá-los. Uma estratégia de adoção e disseminação da mobilidade e estudos de payback ajudarão na tomada de decisão. Não esqueça que um uso descontrolado de redes 3G poderá aumentar em muito os custos operacionais;
- Mude o modelo de gestão e governança de TI. Os modelos atuais foram criados para o mundo PC. Modelos como o BYOD e a heterogeneidade de dispositivos vai demandar novas práticas e processos. Uma sugestão seria adotar um processo evolutivo, ajustando e aperfeiçoando as práticas à medida que mais experiências forem sendo adquiridas, tanto pelos usuários, como pela própria área de TI.
- Não ignore a necessidade de novos skills e tecnologias. Os seus desenvolvedores têm fluência em HTML5, Android e iOS? Existem tecnologias de MDM na organização? A sua equipe de segurança está devidamente preparada para este novo mundo?
No final ficou a questão: Os CIOs têm a grande oportunidade de
catalizar, liderar e influenciar este mundo dos smartphones e tablets.
Mas o trem já está deixando a estação. Não podem apenas ficar olhando…
Nesse caso, outros liderarão o processo.